Aqui ninguém me conhece. Respondem cordialmente ao meu cumprimento que bate nas paredes seco, mas frágil, desfazendo-se num pó fino:
- Bom dia! Um marlboro, se faz favor.
- Mais alguma coisa, menina?
- É tudo, obrigada.
Dos meus olhos pouco vêem, de mim nada conhecem, sentem a curiosidade bater-lhes na pele, como agulhas caídas do céu, oiço os burburinho à minha passagem, não me incomoda.
Lá ao longe a cabana de madeira, é velha, largada à brutalidade de um revolto mar, cheira a sal, é inchada e húmida, como me encontravas por vezes à tua espera. É tal e qual o nosso sonho, tem a rede no alpendre... desprovida de luz eléctrica, apenas a água canalizada e a casa de banho é em anexo... tão despojada... o ideal.
Saí pra mais um passeio na areia, já fumei o cigarro com ânsias de fumar as memórias, desfazê-las neste fumo, vê-las ir embora, pesadas, no ar, translúcidas como o vidro... mas atormenta-me o mundo que deixei. Vêm desconexa, a urbe no seu corrupio nocturno; as festas; as roupas; lembro-me do brilho.. havia brilho por todo o lado, nas janelas, nas peles gordurosas, nas árvores de natal, e até em olhares... lembro-me dos teus olhos... os teus olhos que me abraçavam com malícia, provocação, tesão. Ainda me assaltam memórias de noites nos teus braços, tu nos meus...
Sentei-me na pedra, um cigarro acaba, outro acende, quase que sozinho, num mecanismo que nem sei se meu, se do inconsciente, as memórias são simplesmente dolorosas, quero fuma-las até à exaustão, não quero mais, ainda te vejo, numa névoa perturbadora... basta fechar os olhos.
Acabam-se-me os cigarros, não tenho mais o que fumar, vou até ao bote, o mar espera-me, calmo, espalha-se em diálogo comigo, mas não quero conversas, já não sei o que isso é, apenas eu... memórias que nem parecem minhas. Vou remando, lenta, oiço tudo, as primeiras palavras trocadas...
"...e o teu nome, qual é?..."
Oiço as lendas que trocamos, tão nossas...
"...seremos velhinhos à beira mar, com um bote para remar nos fins de tarde..." "...frente ao pôr-do-sol..."
"....para sempre..."
"...morrerei contigo, meu amor, claro que contigo..."
"...não grites, que afastas as folhas da paixão..."
"...hoje vi-te, mas não eras tu, era eu..."
Tudo em surdina, já enlouqueci.
Olho para o lenço velho, está amarelo, roído... esconde a lâmina da faca com que te matei.
- Bom dia! Um marlboro, se faz favor.
- Mais alguma coisa, menina?
- É tudo, obrigada.
Dos meus olhos pouco vêem, de mim nada conhecem, sentem a curiosidade bater-lhes na pele, como agulhas caídas do céu, oiço os burburinho à minha passagem, não me incomoda.
Lá ao longe a cabana de madeira, é velha, largada à brutalidade de um revolto mar, cheira a sal, é inchada e húmida, como me encontravas por vezes à tua espera. É tal e qual o nosso sonho, tem a rede no alpendre... desprovida de luz eléctrica, apenas a água canalizada e a casa de banho é em anexo... tão despojada... o ideal.
Saí pra mais um passeio na areia, já fumei o cigarro com ânsias de fumar as memórias, desfazê-las neste fumo, vê-las ir embora, pesadas, no ar, translúcidas como o vidro... mas atormenta-me o mundo que deixei. Vêm desconexa, a urbe no seu corrupio nocturno; as festas; as roupas; lembro-me do brilho.. havia brilho por todo o lado, nas janelas, nas peles gordurosas, nas árvores de natal, e até em olhares... lembro-me dos teus olhos... os teus olhos que me abraçavam com malícia, provocação, tesão. Ainda me assaltam memórias de noites nos teus braços, tu nos meus...
Sentei-me na pedra, um cigarro acaba, outro acende, quase que sozinho, num mecanismo que nem sei se meu, se do inconsciente, as memórias são simplesmente dolorosas, quero fuma-las até à exaustão, não quero mais, ainda te vejo, numa névoa perturbadora... basta fechar os olhos.
Acabam-se-me os cigarros, não tenho mais o que fumar, vou até ao bote, o mar espera-me, calmo, espalha-se em diálogo comigo, mas não quero conversas, já não sei o que isso é, apenas eu... memórias que nem parecem minhas. Vou remando, lenta, oiço tudo, as primeiras palavras trocadas...
"...e o teu nome, qual é?..."
Oiço as lendas que trocamos, tão nossas...
"...seremos velhinhos à beira mar, com um bote para remar nos fins de tarde..." "...frente ao pôr-do-sol..."
"....para sempre..."
"...morrerei contigo, meu amor, claro que contigo..."
"...não grites, que afastas as folhas da paixão..."
"...hoje vi-te, mas não eras tu, era eu..."
Tudo em surdina, já enlouqueci.
Olho para o lenço velho, está amarelo, roído... esconde a lâmina da faca com que te matei.
2 comentários:
é sempre uma delícia ler te.
descobrir mais uma história que paira na tua cabeça.
e de novo peço: dá nos mais!
Delicioso...
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