domingo, agosto 31, 2008

Sapatos vermelhos



A noite não estava a render nada, ela não percebia porque, ainda novata, naquelas andanças. Estava acompanhada de uma mais experiente, que a iniciava nesta vida a troco de nada, "porque sei o que é andar sozinha nestas ruas, à noite. Só há putas e mafiosos!... Deixa lá, não me deves nada, quem me dera que o tivessem feito por mim" concluía com um olhar amargo, que podia dizer muito mais, mas parecia não possuir palavras para descrever as suas vivências. Ou isso, ou sentimento de culpa…
- Deixa lá cachopa, com essa cara laroca, em menos de uma hora já te estão a chamar, mas atenção, sê prudente. Se vires que o gajo tem um olhar maníaco, tu vem-te embora!...
Estes alertas podiam parecer muito úteis, mas o que é certo é que não sabia o que era um ar maníaco. Tinha a inocência no corpo, como quem tem sangue; vendia o corpo, porque acabou fugida de um colégio interno, onde foi parar por ter sido apanhada com um cigarro na boca, no entanto o seu sentimento de culpa não lhe permitia a resignação para ficar trancada que nem uma marginal; uma noite, saltou da janela, simplesmente, enchendo-se de arranhões e sem olhar para trás, da família, nada podia saber, estava muito longe e só se lembra de ter andado muito. Passados dias de fome, frio e dormidas ao relento, foi parar a uma pequena cidade e aí foi amparada por uma puta samaritana...
- Anda lá boneca, nesta vida ninguém nos dá nada, temos que fazer por ela!
Apesar dos seus modos pouco carinhosos, era atenta às necessidades da pequena meretriz, deixou-a repousar durante muito tempo, alimentou-a e deu-lhe cama e roupas para o oficio.
- Elah! Se te serve a ti, quer dizer que a idade ainda não me apanhou! - Riu à gargalhada, mas percebendo que ria sozinha, acrescentou - Tenho cuidado com o que como... E protejo-me sempre.
Depois explicou-lhe como funcionavam as coisas, e a pequena puta apenas absorvia informação, falava pouco, mas lá acabou por explicar que nunca tinha estado com nenhum homem.
- A sério?! Então és um pequeno tesouro!... Vamos vender a tua virgindade! - Ao ver o ar desesperado da pequena puta, concluiu - Não te preocupes, não te vai servir para nada, e eu estou cá para te dar umas dicas, para não doer tanto. Anda daí.
E foram. Até um bordel, porque na rua os leilões são complicados... e mal pagos. No entanto ali, havia comissões para a casa, para a patroa e para a puta experiente, que levou a pequena puta. No fim, para a última sobrou apenas o tremor no corpo, de medo e horror, e as lágrimas derramadas. Então era isto o tal pecado, se doía, porque caíam nele?
Não houve tempo para respostas, na noite seguinte foi para a rua com a puta experiente, e começou a treinar a aliciação, insinuando as pernas compridas, desnudas, o traseiro redondo coberto com uma mini-saia descarada, e um decote profundo "porque um bom decote faz toda a diferença" dizia-lhe a puta experiente todas as noites. Começou a ter dinheiro, finalmente, e em breve partiria do cafofo da puta experiente, esse era o seu objectivo, como tal precisava de clientes, tivessem eles olhar maníaco, ou não, fosse o que isso fosse.
Estava impaciente, e mal habituada, pois de facto a pequena puta facturava bastante por noite, o seu ar inocente e jovem cativava muitos clientes.
Andava de um lado para o outro, num andar sólido, porém leve, nuns saltos altos vermelhos, uma mini preta e um trapinho a segurar-lhe as mamas firmes, cabelo apanhado, era mais prático e mostrava o seu rosto redondo, de menina, que tantos clientes chamava. Era um felino da noite.
- Não vale a pena desesperar... - Dizia a outra, fumando um cigarro...
Até que um carro se aproxima, um topo de gama, com vidros fumados, baixando um pouco o vidro da janela do pendura, chamou a felina, tocaram informação e ela entrou.
- Não te esqueças da protecção!
Gritou-lhe a puta experiente ao longe.
(Continua)

Flutua sem exagerar, cerra os dentes ao voar, cuidado que podes cair...


O meu nome é ilusão, crio e vivo dentro de ti, compro-te um rebuçado por dia, é quanto basta para te manter comigo.
Entro pelas paredes e infiltro-me no sangue, Sorrio ao ver que afinal gostas de me ter.
Cantas baixinho, pensando que ninguém te ouve, mas o mundo está atento aos loucos e olha-te com desdém.
É essa auência que te acompanha, e isola, que tanto te alimenta, e possui com carinho, como se de um amante se tratasse, lambe-te a pele, com uma lingua invulgarmente fria, mas que te satisfaz plenamente; percorre-te o corpo com uma mão imagnária, e deixa cair por terra a tua roupa, envolve-te com um abraço único, e penetra-te devagar, sem pressas, e tu não tens medo, porque sabes que só pode ser bom.
Todo o cheiro que envolve este ritual, é apenas teu, e desconheces que consegues um cheiro tão e apetecível, sentes cada vez mais, o corpo a ceder a uma irracionalidade instintiva de puro prazer, há algo que não consegues explicar, é cada vez mais intensa a sensação que sentes a espalhar-se pelo teu corpo, como um incêncio, cuja chama começou entre as tuas pernas... é tão interior, tão vivo, que te assustas com a onda que rebenta dentro de ti, arqueas as costas, gritas, mas é de prazer... seguem-se mais e mais ondas, diminuem de intensdade, como se fosse apenas uma rajada de vento em pleno inverno, tornada brisa primaveril...
Estás só, agora num silêncio, já não há nada a ver, fazer, dizer... Ausente, estás sempre ausente...viraste para o lado, e dormes.

Quando fores grande o que queres ser?

Quero ser gigante para ter passos maiores que todos os outros,
ou ser uma tesoura para rasgar horizontes,
posso também ser uma cor, violeta,
para pintar o mundo, viver no céu, rir às gargalhadas e ser feliz;
quero ser vento, para não caber na mão de ninguém,
ou água para dependerem de mim;
quero ser ilusão, ou amor,
para poder ri-me nas costas dos outros,
ou vê-los a fingir que amam, desgastados com o tempo e com as inseguranças,
ou saudades, lágrimas falsas;
posso ser ave, para fugir;
posso ser mentira, para viver;
quero ser grande e poder foder,
porque não existe nada melhor.

quinta-feira, agosto 07, 2008



Deixa-me um bilhete ao partires, onde digas o quanto me amas e me queres ao teu lado. Deixa-me um bilhete ao chegares para que eu não me esqueça que existes. Deixa-me um bilhete no frigorifico, a dizer quantas horas queres gastar na eternidade, ao meu lado, a ler banda desenhada e filmes idiotas. Deixa-me um bilhete com o teu beijo marcado, na minha almofada, e ecreve o teu nome, para não te confudir com outro. Deixa-me um bilhete na porta, para saber que um sétino andar é muito alto, para poder sair pela janela. Deixa-me um bilhete com a minha cor favorita, pode ser que acertes. Deixa-me um bilhete molhado com a água do banho, simplesmente porque sim. Deixa-me um bilhete com o meu nome e a minha identidade, a minha existência, aquela que julgas conhecer. Deixa-me a merda de um bilhete, pode ser que o leia.

Origem...


Perdida no marasmo da inutilidade humana que me inunda a pele,
oiço o sibilar do silêncio, junto à paredes caladas e sinto a inevitável convulsão agónica do medo. Simplesmente ser, não querer, não ter, parar para escutar...
não é um comboio que lá vem, é a vida,
lesta como um torpedo de guerra, esborracha-se na minha cara e com descaramento,
conclui o aparatoso acidente com um "aqui me tens",
segura e expansiva, como se tivesse sido chamada.
O corpo é escravo da alma e a alma escrava da mente,
mente cravada no corpo, com garras de gato preguiçoso,
que dorme de olhos abertos, sempre em alerta.
Os gatos têm um papel muito importante para a humanidade,
tal como a mente para a alma,
o corpo para a mente,
a alma para o corpo
e a mente para...não.
No fundo não passamos de massa trôpega,
com manias de grandeza.
Somos tão pequenos que corremos o risco de morrer de tédio,
ou de amor,
ou de causas ditas nobres,
porque se olhou para o sitio certo na hora errada.

vou enroscar-me neste lençol que cheira a terra molhada e a tristeza de fada, minhocas a amores perfeitos a romper, ou será este o meu cheiro e impregno o lençol?...

segunda-feira, agosto 04, 2008


Ontem sai de casa, com a sensação de que o mundo mexia a uma velocidade irreal, e nunca constante.

Os batimentos no meu pulso não permitiam calma, e eu não queria sair… ao pôr o pé na calçada, senti a agonia do peso do mundo, na sola dos meus pés. Não percebi o que se passou, mas o vómito que me veio à boca, mostrou-me o quão azeda vou.

Caminhei, com o corpo pesado, preso, alucinado… e a dor que me consumiu foi tão grande, que me indaguei, s e o carro que me contornou na estrada, doeria tanto, quanto o que levo dentro, se me atropelasse… a dor que pronunciada magoa, e no silêncio mata, na boca é veneno e na alma ensinamento.

Tropecei numa pessoa, julguei ser uma pedra, que por sua vez, julgou-me drogada… mas não é esse o meu mal, trago apenas a alma velha e cansada, e trato a angústia por tu.

Agonizo com o que me rodeia, canso-me com o que vejo, entristeço-me com a falta que me faz um mundo novo, um sorriso sábio, uma luz diferente e uma cor única. Contorço-me, transformo-me e sigo por esse trilho que me está traçado, mas lá à frente mudo, garanto que mudo, e não me impede ninguém, porque passo despercebida.

Tenho demasiadas questões para conseguir proferi-las


Sinto agonias que me forçam a abrir a boca, despejando um viscoso vómito de ideias, palavras soltas, frases tidas, mantidas e criadas durante anos, algumas questiono se nesta, ou de noutras vidas.

Sinto a cabeça prestes a rebentar, mas pior… pior é isto que me habita, que me consome, e não consigo explicar… é isto o sentir? Este nó que me recuso a engolir, pois temo que me doa mais a descer que a vomitá-lo, este aperto no estômago que me arranca as vísceras num único rasgão de ventre; é cruel, a dor que me vai no peito, sei que não me matará, mas habita-me paciente, sorvendo sombras, e tornando-se maior, e maior… dos olhos cai a água límpida, carregada de histórias, que nunca poderá contar… apenas cair na terra e ali permanecer, para todo o sempre, em sepulcro. As lágrimas que bebo, são para garantir alguma memória, no meu corpo, que um dia cairá por terra, perdendo tudo, o sofrimento, a alegria, a memoria... “Somos pasto para vermes…”